sábado, 3 de dezembro de 2011

A IGUALDADE ENTRE OS SEXOS E AUTONOMIA DA MULHER EM CUBA

 A IGUALDADE ENTRE OS SEXOS E AUTONOMIA DA MULHER não se configura apenas em mais um Objetivo de Desenvolvimento do Milênio - acordado pelos países membros da Organização Mundial de Saúde (OMS) - e cumprido por Cuba. 

Além da erradicação do analfabetismo, de possuir baixíssimas taxas de mortalidade infantil, o país dirige esforços concretos para o desenvolvimento integral do povo cubano com o compromisso inegável do estado e participação ativa da sociedade civil. E, dentro da organização da sociedade cubana, chama a atenção o protagonismo feminino. A despeito de ser um país latino e, como outros, machista, Cuba encontra na sua história motivos fortes para retirarmos tal título pejorativo.

As fontes de informação realistas sobre a Ilha, mesmo para nós – simpatizantes do regime – são escassas e reticentes. O escamoteamento da participação das mulheres no Triunfo da Revolução é um exemplo disso. E não foram poucas, nem coadjuvantes essas heroínas. Entre elas: Haydée Santamaría, a qual foi uma das mulheres que participaram do histórico 26 de julho de 1953 ao assalto ao quartel Moncada liderado por Fidel CastroCelia Sánchez - considerada a "flor de la Revolución Cubana" - a qual ingressou no movimento 26 de julho com uma função estratégica de preparar condições que pudessem garantir o êxito do plano de Fidel e os outros exilados e organização do desembarque do Granma. 

Logo após o triunfo da revolução, em 20 de agosto de 1960, foi criada a Federação de Mulheres Cubanas (FMC), com a fusão de todas as organizações femininas revolucionárias existentes. A qual tem como objetivo principal alcançar a ampla participação das mulheres na vida econômica, política e social do país. E assim como os CDRs (comitês de defesa da revolução), aos 14 anos as meninas se filiam e começam a sua formação política e atuação de destaque na sociedade, criando consciência de suas capacidades e possibilidades. Esse movimento de organização de massa teve Vilma Lucila Espín Guillois como impulsionadora e dirigente, considerada sua eterna presidenta. Presidiu ainda a Comissão de Atenção à Juventude, Infância e Igualdade de Direitos do Mulher no Parlamento Cubano.

Hoje as mulheres cubanas ocupam cerca de 40% dos cargos parlamentares (sem que sejam definidas cotas) e existe paridade no nível primário de ensino e que as meninas superam os meninos nos níveis escolares secundário e terciário. Podemos perceber tal atitude em muitos momentos do nosso estágio. Desde a chegada à ENSAP (escuela Nacional de Salud Publica), quando pudemos perceber que as coordenadoras e a maioria das professoras eram mulheres. Até o contato com federistas, médicas, enfermeiras, deputadas, todas elas eloqüentes e muito capacitadas.

A legalização do aborto, conquistada ainda nos anos 60, nos mostrou também como se prioriza a autonomia e respeito à mulher nesse país. As mulheres podem exercer suas escolhas na área da reprodução e realizar abortamento seguro até as 12 semanas de gestação. Mesmo que não sejam vítimas de estupro ou que a gestação não apresente risco de morte materna, como ocorre no nosso país. Assim como o Brasil, Cuba é um estado laico, porém diferentemente, as mulheres, não são vítimas de preconceito conservador religioso, nem tampouco podem ser criminalizadas.
A estimativa é de que por ano, ocorrem no mundo 70 mil mortes maternas derivadas do aborto inseguro. Quase a totalidade desses óbitos está concentrada em países da África, Ásia, América Latina e Caribe. Segundo conversas com professoras durante o estágio, a proporção de abortamentos em relação a nascidos vivos é de 2:1. Entretanto Cuba não contribui com a estimativa de 3.9 milhões de abortos inseguros realizados na América Latina e Caribe.
 Esses são alguns dos muitos ensinamentos que esse pouco tempo em Cuba pode nos mostrar. O desenvolvimento de uma sociedade e autonomia da mulher constituem partes indivisíveis de um mesmo processo revolucionário. Como disse Fidel: "As mulheres cubanas são a revolução dentro da própria revolução".

“La justicia, la igualdad del merito, el trato respetuoso del hombre, la igualdad plena del derecho: eso es la revolucion”
                                                                                                                      Jose Marti

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Mara Costa Vieira
Médica de Família e Comunidade
Maragogipe-BA

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A Saúde Mental Cubana

     O modelo de Saúde Mental de Cuba extrapola os limites institucionais e se sustenta, sobretudo, com o fortalecimento da família cubana. A garantia dos direitos sociais, com equilíbrio entre educação, emprego pleno, moradia e segurança dá condições à maioria das famílias trabalharem com seus parentes portadores de transtornos mentais com maior aceitação e melhor qualidade.
     O primeiro contato se dá no programa de Saúde da Família. Os médicos do Consultório Médico de Família realizam o acompanhamento domiciliar e ambulatorial destes pacientes e, em caso de necessidade clínica ou psicossocial, podem encaminhá-los aos outros serviços de saúde. A Rede de Saúde Mental é composta pelos Ambulatórios de Psiquiatria - que podem ser desenvolvidos dentro das Policlínicas ou em Consultórios de Psiquiatria independentes - que dão cobertura aos pacientes com transtornos mais simples; pelos Centros Comunitários de Saúde Mental(CCSM) - equivalente ao CAPS brasileiro - que realizam o acompanhamento de portadores de patologias mais complexas, psicoses, dependência química(álcool, maconha, medicamentos...), saúde mental infantil e atividades ocupativas para os idosos sãos. Nestes espaços são desenvolvidos programas específicos para cada um desses segmentos, em turnos, dias e salas diferentes para evitar contatos indesejados(crianças com usuários de drogas, idosos com psicóticos...), e dispondo de várias atividades - como musicoterapia, educação física, artesanato - e tendo em sua equipe diversos profissionais. Entre eles, 3 psiquiatras de adultos, 2 psiquiatras de crianças, 3 psicólogos, vários terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e técnicos de enfermagem, além de 3 Médicos de Família com formação para saúde mental. Nestes locais não são realizados o atendimentos aos casos de urgência psiquiatra, ao paciente em surto.
     Nestes casos de urgência, em casos de maior gravidade ou de abandono familiar, existem os Hospitais Psiquiátricos onde os pacientes permanescem internados durante um tempo médio de 3 meses. Aconteceu a partir dos anos 80 um processo de Reforma Psiquiátrica semelhante à brasileira, com redução dos leitos manicomiais, aproveitamento de leitos psiquiátricos em hospitais gerais e construção de serviços substitutivos. Com formato semelhante, existem ainda os Asilos de Ancianos, que são casas de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade em que não existem condições familiares para sua manutenção no domicílio - que existem em número bastante reduzido, devido ao perfil da família cubana de cuidar de seus familiares. Esta postura é reforçada por uma lei cubana que proibe o abandono de parentes, sob pena de multa e prisão.
     Para dar suporte às famílias que apresentam baixa renda e dificuldade de manter parentes com deficiência física incapacitante ou transtornos mentais severos, o governo fornece uma Ajuda de Custo mensal para essa família - com esse valor, há quem deixe de trabalhar para poder se dedicar exclusivamente ao parente enfermo - ou disponibiliza-se um Cuidador do Estado, pago pelo poder público, que visita a casa do enfermo e realiza todas as funções básicas(sua higiene, arrumação de cama, preparação de alimento, dar os remédios na hora certa...) de segunda à sábado.

     Nos casos de deficiência física com importante grau de incapacitação(sobretudo portadores de Síndrome de Down), são disponibilizados pelo governo os Centros Médicos Psicossociais, que são unidades de convivência e reabilitação em que se oferecem diversos serviços de acordo com a idade e nível de habilidade/disciplina dos pacientes - como professores para especiais, musicoterapia, oficinas de artesanato, horta comunitária, dança e pintura. Existem dentro destes espaços diversos terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, além de psiquiatras que fazem a avaliação clínica desses pacientes. Nestas unidades não há internação - os pacientes permanecem das 8 às 17:00h, regressando para suas casas posteriormente.
     Por fim, existem importantes centros de convivência para idosos saudáveis(>60 anos sem patologias graves) espalhados por todo o país chamados de Casa de Abuelos (casa dos "vovôs") em que cerca de 40 idosos passam os turnos da manhã e da tarde realizando uma série de atividades(confecção de roupas, bordados, jogando dominó e baralho, ensaiando músicas, realizando alongamentos e atividades físicas, etc...) para não sobrecarregar demais os seus familiares, evitando uma série de conflitos domiciliares e fortalecendo a ocupação destes idosos. Custa cerca de 40 pesos por mês por pessoa.

     Em suma, um sistema altamente voltado para a promoção da saúde(vários centros de convivência e reabilitação), com fortalecimento da família(condições materiais e garantia de direitos essenciais) para que possa dar suporte ao enfermo e com diversos serviços substitutivos aos manicômios. Um verdadeiro exemplo para nossa rede de saúde mental brasileira.

     O desafio é grande, mas Cuba nos mostra que é possível com o empenho de todos!

Forte abraço!

Dr. Wal de Coqueiros